
No presente texto que você vai ler só funcionam, de certa forma, como um testamento intelectual. Marx pretendia apresentar pessoalmente os resultados das pesquisas feitas por Lewis Henry Morgan, relacionando-as com as suas próprias ideias sobre a história baseada na análise materialista. Só assim seria possível mostrar todo o significado dessas descobertas. Morgan, lá na América, reencontrou, de modo próprio, a ideia materialista da história, aquela que Marx já havia formulado quarenta anos antes e, partindo dela, chegou a conclusões muito parecidas com as de Marx, contrapondo a barbárie e a civilização. É importante notar que os especialistas em pré-história na Inglaterra reagiram à obra "Ancient Society" de Morgan do mesmo jeito que os economistas oficiais da Alemanha reagiram a "O Capital" de Marx. Tentaram copiar, mas também tentaram silenciar essas ideias. O presente trabalho aqui não substitui o que Marx ainda não conseguiu escrever, mas à disposição os trechos detalhados que ele retirou do livro de Morgan e também suas anotações críticas, colocadas no presente texto, sempre que forem importantes.
Segundo a ideia materialista da história, o que realmente importa no desenvolvimento da sociedade é a produção e a reprodução da vida cotidiana. Essa produção acontece de duas formas: primeiro, na fabricação das coisas necessárias para viver como comida, roupas, casas e ferramentas, e segundo, na reprodução das pessoas, ou seja, na continuação da espécie humana. A forma como a sociedade é organizada em um determinado momento depende dessas duas formas de produção: o quanto o trabalho está desenvolvido e como a família funciona. Quanto menos desenvolvido for o trabalho, menos produtos a sociedade terá, e, por isso, a riqueza será menor. Nesse cenário, os laços de parentesco, as relações familiares e de sangue, terão um papel muito mais forte na organização social. Porém, mesmo dentro dessa estrutura baseada em parentesco, a produtividade do trabalho vai crescendo, o que leva ao surgimento da propriedade privada, das trocas comerciais, das diferenças de riqueza, e da possibilidade de alguém explorar o trabalho de outra pessoa. Esses novos fatores criam tensões entre grupos sociais, os chamados antagonismos de classe. Ao longo das gerações, esses novos grupos tentam adaptar a antiga organização social às novas condições, mas essa adaptação não funciona para sempre. Chega um momento em que a incompatibilidade entre as velhas formas e as novas condições provoca uma revolução completa. A antiga sociedade, organizada em grupos familiares chamados de uniões gentílicas, desaparece. No lugar dela surge uma nova sociedade, organizada em Estado, onde as unidades menores não são mais grupos de parentesco, mas territórios. Nessa nova sociedade, a família já está subordinada às relações de propriedade, e a luta entre classes sociais passa a ser o motor da história, o que continua até hoje.
O grande mérito de Lewis Henry Morgan foi descobrir e recuperar essa base pré-histórica que sustenta toda a nossa história escrita. Ele encontrou nas uniões gentílicas dos índios norte-americanos a chave para entender enigmas muito importantes ainda não explicados da história antiga da Grécia, Roma e Alemanha. Morgan não fez esse trabalho do dia para a noite, foram cerca de quarenta anos reunindo dados até dominar o tema completamente. E seu esforço valeu a pena, porque seu livro é uma das obras mais importantes do nosso tempo.
No que Engels acrescenta a seguir, você vai perceber facilmente o que é ideia de Morgan e o que foram acrescentados. Nos capítulos sobre a história da Grécia e Roma, não foram limitados a repetir o que Morgan escreveu, mas foram incluídos todos os dados que tinha disponíveis. A parte sobre celtas e germanos é basicamente de Engels, porque os documentos de Morgan sobre esses povos eram indiretos; sobre os germanos, além dos escritos de Tácito, só havia falsificações ruins feitas por estudiosos liberais como o senhor Edward Augustus Freeman. Por isso, foram necessários refazer toda a análise econômica dessa parte, que, embora fosse suficiente para Morgan, não atendia aos objetivos.
A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado
Autores: Friedrich Engels
Ano de publicação original: 1884
Fonte: https://www.marxists.org/portugues/marx/1884/origem/index.htm
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